lirik lagu napoleão mira - máscaras d'orfeu
[napoleão mira]
finjo
finjo tanto
que até a pensar finjo que penso
finjo tanto, que fujo em cavalos de fumo
num galope de gazela de vento, com olhos de lua
e lágrimas húmidas de mundos tristes
só para imitar beleza de imagens que nunca tive
(momento doce nesta tempestade subterrânea)
agora…
agora a infância já me fica tão distante
mas mesmo -ssim, continuo a vestir o bibe das riscas azuis
com que me vou enlamear no pântano mais próximo
para saborear o medo e a inocência
de quem é condenado por julgar estrelas
as pedras humilhadas desta rua que outrora me pertenceu
construo cidades de água e jardins transparentes
onde planto flores de sono, que amo e possuo
num acto único de metamorfose selvagem
e finjo
e finjo a coragem que não tenho
no retrato mentiroso da moldura onde me exibem
com o sorriso irónico da punhalada traiçoeira
(futuro génio da família… dizem eles)
promoção gratuita na condição de nunca ser eu
mas sim, o cadáver ambulante da sua vontade
querem-me vestido de carne à sua semelhança!
nada disso
não o consentirei
hei de continuar a vestir-me de mim, de ti, de tudo e de nada
hei de continuar a fingir
hei de continuar vestir-me de vidro
de luz
de ar e de seda
e hei de continuar a fingir
hei de fingir-me almada ao “rufar-te pompa de pompeia nos funerais de mim”
hei de álvaro, fernando, alberto possuir-te palavra a palavra, sílaba a sílaba, num ritual sem fim
hei de sonata cantar-te em guerras de alecrim e manjerona
hei de tricotar-te os neurónios qual tia gorda refastelada em canapé de solteirona
hei de mário, santa rita suicidar-me travestido de puta, pomba ou arlequim
hei de embuço parecer-me a tanta gente… que julgarás que me confundi
mas não!
hei de continuar a fingir
hei de continuar a fingir-me essência da maledicência
praga da maldição a que foste votado
causa mortal da tua demência
general de uma guerra onde nem sequer foste soldado
e hei de rir-me de ti a bandeiras despregadas
como se fora um doido alucinado
provedor, justiceiro das almas por ti abandonadas
hei de ser teu patrão… fingindo ser teu criado
e o meu corpo já moribundo
definha a cada dia mais um pouco
por tanto carregar às costas o teu mundo
tive de fingir que era louco
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