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lirik lagu chullage - sonhei que no meu bairro

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[letra de “sonhei que no meu bairro”]

[verso 1]
aqui onde crescemos, que vamos criar os nossos bebés?
entre as ruinas das fábricas onde só sobram chaminés
onde o comércio e os serviços já tiraram estaminés
não se vê o posto fronteiriço, mas há uma linha que lhes protege
nem preto, nem mestiço, é tudo merda pra quem nos rege
de quatro em quatro anos falam disso
e depois cagam p’ra quem lhes elege
onde a cmtv chupa sangue p’a encher os rodapés
a acm só vê onde há sangue p’a chupar o dinheiro da ue
igrejas ao desbarato espalham boatos na nossa fé
projetos sociais em aparato, controlam pretos e calés
cidadania que se restringe, só há quem nasce com pele beje
que ao fim do dia dança e finge que até gosta da nossa tez
e cada crise que nos atinge, ‘tás mais à rasca, mais rés~vés
cada geração que chega aos 15, sai da casca mais ereste
sem bibliotecas nem jardins, só vejo tascas e cafés
produtos com rótulo mandarim, merceeiros do bangladesh
restam placards e boletins de euromilhões, sonhar bués
e sixteen bars são trampolins, fazer canções que dão cachês
pegar na bola, partir rijo, sonhar em ter o nome no pes
mas corações viram ruinas quando só come um em cada dez
pózinhos perlimpimpim, pilim no fim, ‘tás dentro a cumprir dez
não se olha a meios para chegar a fins
confins que o centro deu com os pés da pirâmide da esfinge
viemos parar no sub~pés da pirâmide social
onde o que tens dita o que tu és
[refrão]
sonhei que no meu bairro íamos montar um quilombo
acordei com um tombo
sonhei que no meu bairro íamos matar o colombo
acordei com um tombo
afinal esta é uma jaula onde puseram um leão
ensinaram~lhe a ter orgulho na sua própria prisão
o ambiente é uma jaula onde puseram um leão
p’a levar vida de cão

[verso 2]
dormitório, observatório de serviçais, uma senzala
onde o leigo diz que somos iguais, não nos iguala
inquilinos têm estatuto de preso e rei na bala
condenaste a terra ao chuto, desprezo no meio de uma ala
neste regime de trabalho forçado que escraviza com um salário
regime de consumo forçado que hostiliza quem não tem salário
à mercê dos cartéis, do ramo imobiliário
depois tiram de onde querem hotéis num derrame comunitário
contentores do desespero, prisões da miséria
expulsos do coração da cidade, reclusos nas artérias
sem voto na matéria, vistos como demónios
por quem faz dos nossos corpos o seu despojo e património
onde brothers são rivais com base em códigos postais
e abrem buracos letais em filhos enterrados pelos pais
a defender localidades em vez de defender os locais
mas ‘tamos todos no me’mo barco, vai vender~nos no cais
[refrão]
sonhei que no meu bairro íamos montar um quilombo
acordei com um tombo
sonhei que no meu bairro íamos matar o colombo
acordei

[verso 3]
caminhos aqui não vão a roma, mais rápido vão a sodoma
‘tá no aroma, este lugar é feito com sangue
não pises aqui se não tens estômago
aroma dos corpos fechados no porão, a que soma
aroma do café e algodão, a que soma
aroma de wc e do betão, a que soma
o ódio pelo preto, branco, pobre, e um roma, e que soma
é como ser marcado com a ferro quente logo no cromossoma
a minha mãe queria que eu chegasse a casa com um diploma
cheguei a casa com um hematoma
n’kria chiga na casa pa flan: “mamã, nha toma”
um dia n’ka chiga na casa, polícia txoma
este bairro que faz manchete, encheu de votos o vereador
este bairro que faz manchete, encheu os bolsos a um construtor
este bairro que faz manchete, encheu a barriga ao mediador
mas esta casa em tijolo de sete, no inverno já tem bolor
na tempo frio n’ta paga 200 euro de aquecedor
pa senhorio, mi é praga, estrangeiro ka morador
ku graffiti [?], arranjava os canos e o elevador
e neste sítio a vossa pena causa mais danos, mais dor
[verso 4]
achas que é coincidência onde foste realojado
com vento forte, a violência, um aterro sanitário ao lado
a super esquadra, autoestrada cheia de monóxido de carbono
a recolha de lixo atrasado e os canteiros ao abandono
p’ra onde fica a siderurgia ou a fábrica de adubos?
lá onde não sabes se é mesmo água aquilo que te sai dos tubos
só sabes que circulam tóxicos no ar e nas nuvens
e tu tens de pagar 20 euros cada vez que tu vens ao hospital
mais 10 pelos transportes ou morres em casa neste inóspito vale
com alta incidência de cancro, diabetes, asma, e bronquite
não é coincidência, vê onde fica a nossa street
não é coincidência que antes moravas perto de comboios e autocarros
e agora moras onde só saem aqueles que têm carros
e autocarros passam cheios de hora a hora e com demoras
tu tens de sair duas horas antes p’a chegares no bules a horas
mas chegar no bules agora, é o privilégio de uma minoria
por cada vez, mais novos ‘tão encostados a ver passar o dia
fim do dia são encostados e acabam no chão com hemorragia
qualquer semelhança com uma prisão, não é ficção, é fantasia

[refrão]
sonhei que no meu bairro íamos montar um quilombo
acordei com um tombo
sonhei que no meu bairro íamos matar o colombo
acordei com um tombo
sonhei que no meu bairro íamos montar um quilombo
acordei com um tombo
sonhei que no meu bairro íamos matar o colombo
acordei

[verso 5]
onde afundam os supermercados baratos
o sal, a gordura, açúcar, hidratos
onde há o genocídio com os mesmos nitrados
o que puseram nas bombas, hoje põem nos pratos
hormonas, bactérias, carnificina
esterilizações, antibióticos, vacinas
a escola elimina brothers do currículo
ficas, mas só quando passas de ciclo
miséria, descrença, inveja, discórdia, pedras, álcool, puta mixórdia
jogos, apostas, são misericórdia
ódio arrasa a esperança e fode~a
mas o ghetto só vence quando a comunidade deixou de se amar
e perde o afeto na rua, no prédio reina a crueldade
já não há lar, ficou só um teto
ghetto só vence quando a comunidade deixou de se amar
e perde o afeto na rua, no prédio reina a crueldade
já não há lar, ficou só um teto


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